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sábado, 2 de janeiro de 2010

VALE A PENA LER PRIMEIRO - JORNAL BOM DIA 02/01/2009

O autor desta semana, André Kondo, nasceu em Santo André, em 1975, cresceu em Taubaté e, atualmente, após viajar o mundo, vive em Jundiaí. Morou alguns anos no Japão e na Austrália, onde obteve pós-graduação pela University of Sydney. Em busca de algo além do conhecimento encontrado nos livros acadêmicos partiu em uma longa viagem a fim de aprender a matéria da vida nas páginas do mundo. Viajou por 60 países pelos cinco continentes, explorando desde grandes centros urbanos como Moscou, Nova York e Beijing até vilarejos no Himalaia, remotas ilhas do Pacífico e acampamentos nômades na Mongólia. "Rezei e meditei nos lugares mais sagrados e esotéricos do mundo: Jerusalém, Caminho de Santiago de Compostela, Lumbini (onde Buda nasceu), às margens do Ganges na Índia, no topo do Monte Fuji, no sopé do Uluru (o coração aborígine da Austrália), Angkor Wat (Camboja), na Cidade dos Deuses no México, em Machu Picchu, nas pirâmides do Egito", enumera Kondo. "Tudo isso apenas para tentar chegar em algum lugar além deste mundo. Enfim, eu continuo tentando", completa. O Vale a pena ler primeiro de novo traz um texto do seu livro "Amor sem Fronteiras - uma Viagem pelo Coração do Mundo". Kondo também é autor de "Além do Horizonte". Acesse:http://livroamorsemfronteiras.blogspot.com . Leia livros!




Na estrada para Angkor Wat – Camboja
André Kondo

Em uma estrada em que há pouco mais de uma década ninguém ousaria passar, um velho ônibus se arrastava carregando turistas de várias partes do mundo. As atrocidades do Khmer Rouge ficaram no passado, mas as cicatrizes causadas pelo sangrento regime de Pol Pot ainda eram vistas ao longo daquela esburacada estrada de terra. A maior delas, a pobreza, era uma ferida que ainda não havia cicatrizado.

No fim daquela estrada estavam as espetaculares ruínas de Angkor. Quilômetros de colossais templos de pedra engolidos pela selva certamente valiam a cansativa viagem de dez horas pelo Camboja. O ônibus parou diante de uma choupana que fingia ser um restaurante. Eu fui ao banheiro, apenas um buraco no chão rodeado por muros rebocados com barro. Ao sair, fui abordado por um sorridente rapazinho que me pediu algumas moedas pelo serviço sanitário.

Cercado pela pobreza, o garoto que limpava latrinas sonhava em conhecer a riqueza das paisagens do mundo. Cuidando do precário (porém limpo) banheiro, ele ganhava algum dinheiro. Nas horas de folga, ele estudava inglês em um livro que ganhara de um forasteiro. Aproveitava também para praticar e aprender um pouco da língua com os turistas que passavam por ali.

"E o dinheiro que você ganha? É para a sua viagem?", eu perguntei.

"Não. É para ajudar... minha família", disse o garoto, com orgulho.

"Mas e quanto a sua viagem? É preciso juntar muito dinheiro para viajar, se você se esforçar e trabalhar bastante, um dia poderá conhecer o mundo", eu disse, mesmo sabendo que nem se ele trabalhasse durante toda a vida ele seria capaz de juntar dinheiro suficiente daquela forma.

"Eu não preciso... de dinheiro... para conhecer... o mundo", o garoto respondeu.

Ante meu rosto confuso, o rapazinho prosseguiu falando pausadamente, procurando as palavras: "Eu quero... conhecer o mundo... e... eu estou conhecendo... aprendendo inglês... converso com... estrangeiros... que passam aqui... eles falam sobre o mundo... já conheço Japão... Austrália... Inglaterra..."

Eu fiquei desconcertado com a resposta do garoto. Perguntei se ele já conhecia o Brasil. O garoto ficou curioso com este país tão misterioso, de que ele nunca havia ouvido falar antes. Em poucos minutos, ele viu as Cataratas do Iguaçu, se divertiu com o Carnaval e vibrou com um jogo de futebol. Conversamos pelo tempo que o ônibus ficou parado naquele lugar. Antes de partir, eu quis dar um pouco de dinheiro para ele, mas ele recusou dizendo que já havia recebido pelo seu serviço.

"Então, pelo menos aceite isso. É dinheiro do meu país", eu disse, entregando uma nota de um Real.

Quanto custa a felicidade de um garoto?

"Muito obrigado!", o garoto sorria, feliz com aquele pedaço de papel que vinha do outro lado do mundo, como se aquilo fosse uma passagem para um mundo distante. O garotinho tirou uma pulseira de palha entrelaçada de seu braço e a estendeu para mim.

"Sei que... não vale nada... mas é tudo que posso dar..."

Fiquei olhando para aquele pedaço de palha, imaginando o quanto aquilo era valioso, porque era um presente dado com amor.

"Muito obrigado", eu sorria, feliz com aquele pedaço de palha que vinha dos campos do Camboja, como se aquilo fosse uma passagem para um mundo perfeito.

"Obrigado... você... porque assim... um pedacinho de mim... vai viajar... viajar... com você."

O ônibus partiu. O garoto saiu correndo atrás, balançando o braço e gritando para que eu tivesse uma boa viagem. Enquanto isso, eu girava a pulseira de palha, que rodaria pelo mundo, como aquele garoto havia sonhado.

sábado, 20 de junho de 2009

Jornal Bom Dia 20/06/2009


O "Vale a pena ler de novo" de hoje apresenta:

Lumbini – Nepal

Há mais de dois mil e quinhentos anos nascia Sidarta Gautama, que se tornaria o iluminado Buda. Este fato de fé havia me levado a um templo, às margens de uma tranquila laguna. Em suas águas, Maya Devi havia se banhado antes de dar a luz ao príncipe Sidarta, herdeiro de um próspero reino.

Ali, nos jardins de Lumbini, me encontrei com um velho yogi que meditava sob a sombra de uma frondosa figueira ao lado da laguna. Bandeiras de oração tremulavam nos galhos, cada qual semeando uma sutra sagrada no vento. Nos olhos de um yogi como aquele, Sidarta viu o brilho que não enxergou na riqueza material em que vivia. De que adiantava toda a riqueza do mundo, se existia a doença, a velhice e a morte? Ninguém é próspero na doença nem rico na morte. A figueira sob a qual aquele yogi meditava naquela tarde havia nascido da semente da mesma figueira, sob a qual Sidarta meditou antes de se libertar e atingir o nirvana. Quando seus olhos se abriram como Buda, ele enxergou os sofrimentos e imperfeições do mundo, vislumbrando as ilusões da vida. E, com essa sabedoria, ele apontou para o Caminho do Meio.

Bem próximo ao jardim de Lumbini, visitei outro templo, onde me deparei com o sofrimento e a imperfeição da vida. Vários enfermos buscavam refúgio no templo, entre elas, uma criança. Seu rosto encurvado para um lado exibia uma deformidade. Suas pernas, finas como duas varas de bambu e tortas como dois galhos secos, não se moviam. Ela estava presa em uma velha cadeira de rodas...

_Namastê – saudei.

A criança se esforçou para sorrir, não porque ela não quisesse sorrir. A parte inferior esquerda de seu rosto estava paralisada. Mesmo assim ela conseguiu dar um “meio sorriso” muito mais radiante do que o sorriso inteiro de muitas pessoas que já cruzaram o meu caminho.

Sua mãe sorriu também, talvez estivesse orgulhosa por ver um estrangeiro “conversando” com a sua menina.

_A senhora veio rezar para curar a sua filha? – perguntei.

_Curá-la? De quê?

Fiquei desconcertado.

Percebendo o meu embaraço, a mulher sorriu. Beijou a testa de sua criança e nada mais falou. Só ficou admirando os olhos de sua filha.

Abaixei-me ao lado da cadeira de rodas. Olhei para os olhos daquela criança. Aqueles olhos... Seus olhos eram como dois pássaros, livres e radiantes. Dois pássaros que voavam sobre o telhado vermelho do templo, os sáris coloridos das mulheres, a miríade de cores e formas da natureza que brotava em cada canto daquele belo jardim. Seu olhar...

Compreendi que a mãe estava orgulhosa, não porque um estrangeiro estivesse falando com sua filha, mas porque ela sabia que a sua menina era especial. Comecei a entender que o amor não vê defeitos, o amor procura o que há de melhor em cada pessoa, de tal maneira que, no final, não existem mais defeitos... Só a perfeita imperfeição do amor!

(Trecho do livro Amor sem Fronteiras - páginas 23 e 24)